Materiais Curriculares Educativos
PROPOSTA PEDAGÓGICA
Objetivos de Aprendizagem
Organizamos os objetivos de aprendizagem em termos de conteúdos Conceituais, Procedimentais e Atitudinais.
Conceituais (C): C1 – Compreender o processo de mitose e sua relação com o câncer; C2 – Entender o desenvolvimento do tipo de câncer carcinoma epidermoide de colo do útero; C3 – Relacionar a produção de vacinas, tratamentos de câncer, clonagem, estudos sobre infecções sexualmente transmissíveis e longevidade humana com os estudos associadas às células HeLa; C4 – Compreender como podemos fazer exames e julgamentos morais a partir de três teorias morais – consequencialismo, deontologia e ética das virtudes; C5 – Compreender a relação de interseção entre racismo, opressão de gênero e de classe.
Procedimentais (P): P1– Expor concepções e conhecimentos prévios sobre questões éticas ligadas ao caso de Henrietta Lacks; P2 – Expor concepções e conhecimentos prévios sobre a relação entre ciência (e progresso da ciência) e ética; P3 – Realizar levantamento bibliográfico e consultas a textos de divulgação científica sobre as temáticas; P4 – Classificar/exemplificar movimentos sociais que articulam debates sobre racismo, sexismo e opressão de classe; P5 – Discutir as questões sociais e ambientais associadas ao caso; P6 – Compartilhar sistematicamente as discussões construídas com base nos recortes da QSC debatida; P7 – Discutir questões éticas envolvidas no caso de Henrietta Lacks a partir de elementos de sua história e das células HeLa; P8 – Debater e defender pontos de vista sobre dilemas do uso de tecidos humanos em pesquisas; P9 – Sintetizar ideias centrais a partir da leitura de pequenos textos sobre aspectos ligados a alterizações de raça, gênero e opressão de classe a partir do caso de Henrietta Lacks.
Atitudinais (A): A1 – Trabalhar em equipe e respeitar diferentes pontos de vista; A2 – Identificar, avaliar e discutir questões éticas nos discursos, legislação e ações relacionadas ao racismo, opressão de gênero e de classe envolvidos no caso em análise e para além deste; A3 – Promover ação sociopolítica que mobilize as discussões sobre racismo, opressão de gênero e de classe e a questão do progresso científico.
Atividades
A proposta consiste em uma sequência didática organizada em torno da resolução de uma questão sociocientífica (QSC), relativa ao caso de Henrietta Lacks, em que são articulados diálogos e personagens que se aproximam dos contextos socioculturais das/os estudantes. A QSC é empregada como ferramenta didática para ensino de biologia celular, promoção de debates ético-políticos e da compreensão de processos históricos de segregação, opressão e privação de benefícios a grupos sociais, e sua relação com as ciências biomédicas.
Para orientar o trabalho docente quanto às discussões promovidas em sala de aula, durante a Sequência Didática, a partir do exame da referida QSC, são sugeridas questões orientadoras. Tais questões mobilizam dilemas e aspectos controversos presentes no caso e para além dele, e podem ser utilizadas a partir de estratégias de ensino diversas, a exemplo de júri simulado, debates orientados, avaliações escritas, atividades de argumentação, relatórios etc.
A proposta foi desenvolvida par aplicação no contexto do ensino médio de Biologia. O caso e as questões são apresentados a seguir, e posteriormente, apresentamos as atividades que compõem a sequência didática como um todo.
Caso da Questão Sociocientífica
Câncer, racismo, sexismo e opressão de classe: o caso das células HeLa
– O Hospital Hopkins, com sua grande população negra indigente, não tinha escassez de material clínico, disse o ginecologista Jones, médico que atendeu Henrietta Lacks no hospital, único num raio de muitos quilômetros que tratava pacientes negros, ainda que os separasse em enfermarias para “gente de cor”.
Essa foi a primeira frase que Helaine ouviu sobre o caso de Henrietta, num debate realizado no grupo feminista do qual faz parte. Curiosa e refletindo sobre a história, fez uma rápida busca na internet e, para sua surpresa, localizou algumas informações intrigantes. Helaine procurou sua professora de biologia e fez alguns questionamentos.
– Henrietta foi uma mulher negra e pobre nascida em Virgínia, Estados Unidos, na década de 1920, descendente de pessoas que foram escravizadas, explica a professora.
– Sim, professora. Eu li que, quando ela tinha 30 anos, ela percebeu um caroço no colo do útero…
– Exatamente e ela foi diagnosticada com “Carcinoma epidermoide do colo do útero, Estágio I”, e foi submetida aos procedimentos de tratamento padrão. Como era comum na época, seu ginecologista coletou amostras, antes mesmo de iniciar o tratamento, e sem que ela soubesse, mandou-as para Dr. Gey, que analisava amostras de qualquer mulher com câncer cervical, a fim de usá-las para pesquisas sobre o câncer.
Helaine interrompe e questiona: – Sem o consentimento? E eu li que ela é imortal… Como assim? É possível um ser humano imortal?
– Então, os cientistas vinham tentando manter células humanas vivas em culturas havia décadas, mas elas sempre morriam. Já as células de Henrietta, sem compreensão muito clara da ciência, foram as primeiras células humanas a se reproduzirem de modo indefinido em laboratório, por isso são consideradas imortais. Elas são conhecidas como células HeLa, já que Dr. Gey codificava as células usando as duas primeiras letras do primeiro e último nome da paciente, fala a professora Paula, que se despede informando que precisa ir para sala de aula, sugerindo a leitura do livro “A vida imortal de Henrietta Lacks”.
Durante a leitura, alguns trechos chamaram a atenção de Helaine. Os avanços científicos permitidos pela utilização das células HeLa, como clonagem e a vacina da poliomielite, em detrimento da situação social dos familiares de Henrietta, como relatou sua filha Deborah: – Se as células da nossa mãe fizeram tanto pela medicina, como é que a família dela nem tem dinheiro pra pagar um médico? A falta de compreensão do caso pela família: – “Ninguém aqui nunca entendeu como é que ela pode estar morta e aquele negócio ainda estar vivo.”, conforme comentário de Cootie, primo de Henrietta. Além disso, um diálogo entre seu filho, Zakaruyya, e Dr. Christoph chamou atenção de Helaine: – Se essas são as células da nossa mãe, como é possível não serem pretas se ela era preta?, questionou. – Debaixo do microscópio, as células não têm cor, respondeu Christoph, cientista que levou dois filhos de Henrietta para visualizarem suas células pela primeira vez.
Levando-se em consideração os aspectos apresentados no caso de Henrietta e os avanços nos direitos humanos, vocês consideram que a subjugação e a violência sofridos por mulheres e jovens negras/o e pobres ainda persistem? Quais medidas seu grupo propõe para agir diante de situações desse tipo?
Questões orientadoras
Apresentamos a seguir questões orientadoras que podem ser exploradas, ao longo da resolução do caso, de modo a propiciar o alcance dos objetivos educacionais e de aprendizagem. Ao lado de cada questão podem ser visualizados os objetivos de aprendizagem correspondentes, os quais foram descritos acima.
Q1. O hospital que atendeu Henrietta era o “único num raio de muitos quilômetros que tratava pacientes negros, ainda que os separasse em enfermarias para ‘gente de cor’”. O que você pensa a respeito dessa separação? (P1, A1 e A2)
Q2. Sobre a fala “O Hospital Hopkins, com sua grande população negra indigente, não tinha escassez de material clínico”. Quais as possíveis relações entre o contexto social da vida das pacientes e o uso não consentido de seus tecidos na época do caso? (P3, P9, A1 e A2)
Q3. Situe historicamente esse tipo de segregação e, com base em dados estatísticos sobre a subjugação de mulheres, pessoas negras e pobres no contexto atual de nosso país, discuta sobre as formas de separação racial que ocorrem no contexto brasileiro atual. (P3, P5, P7, P9, A1 e A2)
Q4. Busque, exemplifique e discuta a importância histórica dos movimentos sociais que articulam debates sobre as problemáticas do racismo, sexismo e opressão de classe. Existem movimentos análogos relacionados com outras opressões? (P3, P4, A1 e A2)
Q5. Elabore e promova alguma ação sociopolítica que mobilize as discussões sobre racismo, opressão de gênero e de classe e a questão do progresso científico. (P3, A1 e A3)
Q6. Qual(is) a(s) possível(is) causa(s) de cânceres? (C1, C2, P3 e A1)
Q7. Existe relação entre o ciclo mitótico e o câncer? Explique. (C1, C2, P3 e A1)
Q8. Quais as funções da mitose para a manutenção da vida? (C1, C2, P3 e A1)
Q9. A professora Paula explicou que Henrietta foi diagnosticada com carcinoma epidermoide do colo do útero. Qual(is) a(s) possível(eis) causa(s) desse tipo de câncer? Discuta questões sobre a saúde da mulher, as desigualdades sociais que afetam as mulheres e que se encontram relacionadas a esse tipo de câncer. (C1, C2, P3, P5, P7, P9, A1 e A2)
Q10. Existem fatores sociais e ambientais associados ao câncer? Explique. (C1, C2, P3, P5 e A1)
Q11. Qual(is) a(s) possível(is) forma(s) de tratamento para os cânceres? (C3, P3 e A1)
Q12. Por que as células HeLa permitem o estudo de produção de vacinas, tratamentos de câncer, clonagem, estudos sobre infecções sexualmente transmissíveis e longevidade humana? Discuta. (C3, P3 e A1)
Q13. Sobre a dúvida de Helaine “E eu li que ela é imortal… Como assim? É possível um ser humano imortal?”, você considera que Henrietta Lacks ainda está viva? Discuta. (C3, P3, P7 e A1)
Q14. Existe(m) relação(ões) entre ciência (e progresso da ciência) e ética? Se sim, qual(is) seria(m)? Se não, por que você pensa assim? Compartilhe com a turma. (P2, P6, A1 e A2)
Q15. Em 1950, nos Estados Unidos, nenhuma lei ou código de ética exigia que os médicos pedissem permissão para retirar tecidos de pacientes vivos(as). Discuta com a turma sobre a situação legal atual do Brasil. Há esse tipo de prática ilegal ocorrendo? Quais as pessoas mais vulneráveis a crimes dessa natureza? (P3, P6, A1 e A2)
Q16. Pondo à prova algumas variações possíveis de julgamento ético e moral – perspectivas deontológica, consequencialista (egoísta e altruísta) e ética das virtudes- discuta no seu grupo como cada tipo de juízo moral pode estar associado ao caso em análise. (C4, P3, P5, P6, P7, A1 e A2)
Q17. Qual(is) alternativa(s) mais justa(s) seria(am) possível(is) para o caso na época? Justifique acionando filosofia(s) moral(is). E hoje? Qual tipo de juízo moral você considera mais justo no uso de tecidos humanos e dos outros animais para pesquisas? Discuta em grupo e compartilhe com a turma. (C4, P3, P5, P6, P7, A1 e A2)
Q18. Descreva e discuta brevemente as normas legais para o uso de tecidos humanos e não humanos em pesquisas em contextos diferentes no mundo, atualmente, relacionando com as teorias morais. (C4, P3, P5, A1 e A2)
Q19. No caso abordado, que estratégias sua equipe adotaria para lidar com as questões do caso se fosse: 1) a equipe médica, 2) a família e 3) um cidadão informado sobre o caso. (P3, P7, A1 e A2)
Q20. Debata e defenda pontos de vista sobre o dilema do uso de tecidos humanos em pesquisas com e sem consentimento. (P3, P5, P6, P8, A1 e A2)
Q21. O diálogo entre o filho de Henrietta e o cientista pode gerar uma série de reflexões sobre os conceitos de raça e a relação entre cor e racismo. Para sua equipe, o que significa o atributo da cor preta para o filho de Henrietta? O que pode explicar sua surpresa ao observar as células HeLa ao microscópio? A resposta do cientista indica que na medicina atual não há práticas racistas? (C5, P3, P7, P9, A1 e A2)
Q22. Discuta sobre o seguinte questionamento de Deborah, filha de Henrietta “Se as células da nossa mãe fizeram tanto pela medicina, como é que a família dela nem tem dinheiro pra pagar um médico?”. (C5, P3, P5, P7, P9, A1 e A2)
Q23. Discuta as inter-relações entre as alterizações de raça, gênero e opressão de classe. (C5, P3, P5, A1 e A2)
SEQUÊNCIA DIDÁTICA
Organizamos as atividades de ensino em alguns momentos, são eles:
MOMENTO 1: A história de Henrietta Lacks e mobilização para ação sociopolítica
Apresentação do caso de Henrietta Lacks por meio da narrativa da QSC “Câncer, racismo, sexismo e opressão de classe: o caso das células HeLa” e posterior apresentação de um vídeo curto sobre a sua história (“A mulher que mudou a medicina, Henrietta Lacks | Nerdologia” https://www.youtube.com/watch?v=I21cJZ9QeoE).
Aula dialogada sobre segregação racial e implicações do contexto social na realização de pesquisas sem consentimento. Discussão sobre a relevância de movimentos sociais organizados para a transformação social positiva e orientação para a elaboração de proposta(s) de ação(ões) sociopolítica(s). Tal discussão pode ser realizada com a apresentação de histórias reais de ações sociopolíticas exitosas, por meio de vídeos curtos sobre a história de Rosa Parks (“Documentário Rosa Parks” https://www.youtube.com/watch?v=X77JIUhnZaw) e a Lei Maria da Penha (“Lei Maria da Penha é marco no combate à violência contra a mulher” https://www.youtube.com/watch?v=REdoVpT4N5A).
MOMENTO 2: Visão crítica das relações entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente ligadas ao desenvolvimento do câncer
Aula dialogada sobre ciclo mitótico, câncer e suas relações. Leitura e discussão em pequenos grupos de textos de divulgação científica sobre fatores socioambientais relacionados à incidência de cânceres. Cada grupo poderá ler sobre um fator específico diferente dos demais e, em seguida, o(a) professor(a) realiza a mediação da discussão para que toda a turma debata sobre os diferentes fatores. Para contribuir na organização das ideias foram elaborados roteiros de discussão para orientar as/os estudantes (Disponíveis em Recursos, abaixo). Apresentação de tratamentos do câncer e tecnologias proporcionadas pelas células HeLa, com discussão sobre vida e imortalidade (pode ser utilizado o seguinte vídeo: “Imortalidade I Nerdologia” https://www.youtube.com/watch?v=hNt-SmmjdRg&t=240s). Orientações e acompanhamento do planejamento das ações sociopolíticas.
MOMENTO 3: Ensino explícito de ética e alterização científica para tomada de posição ético-moral frente ao caso da QSC
Ensino explícito de ética, em que são realizadas distinções entre ética e moral, e apresentação das três distintas teorias morais por meio de conceitos e exemplos. (a respeito do ensino explícito de ética, ver indicações de bibliografia na aba de fundamentos)
Debate em grupos sobre progresso epistemológico e o progresso ético da ciência e acerca da relação entre leis e códigos de ética e a vulnerabilidade de grupos sociais a práticas questionáveis do ponto de vista moral. Debate crítico com posicionamento sobre uso de corpos pela ciência e sobre as inter-relações entre problemas de desconsideração moral associadas ao racismo, sexismo e ao estrato econômico, acionando as teorias morais estudadas.
Orientações e acompanhamento do planejamento das ações sociopolíticas (a respeito de possíveis formas de ação sociopolíticas a ser desenvolvidas, ver indicação de bibliografia na aba de fundamentos)
MOMENTO 4: Compartilhamento de ações sociopolíticas elaboradas
Compartilhamento pelos grupos das propostas de ações sociopolíticas pelas/os estudantes com discussão sobre a relevância das mesmas.