Materiais Curriculares Educativos
APRESENTAÇÃO
Manuel Querino: um pioneiro no combate ao racismo científico
Manuel Querino foi um importante intelectual negro e homem público do estado da Bahia na transição entre o século XIX e o século XX. Querino atuou em diversos campos como a política, a arte, o jornalismo, o movimento operário, a etnografia, e o magistério e, em um período marcado por acontecimentos significativos da nossa história, relativos aos anos finais do Império e às décadas iniciais da República. Segundo Gledhill (1986), Querino foi o primeiro afrodescendente a apresentar sua perspectiva da História Nacional, buscando reequilibrar a ênfase da experiência europeia no Brasil e fazer justiça às contribuições africanas ao seu País. Neste sentido, pode-se dizer que ele é um precursor do reclame social que dá origem a Lei 10.639/2003.
Ao longo de sua trajetória, Querino teve que confrontar as barreiras colocadas pelo racismo e pela lógica oligárquica da sociedade brasileira da Primeira República para conquistar um nicho em espaços frequentados pela elite culta e branca. O exame das estratégias de inserção social que ele desenvolveu em seu percurso pela academia, pela política, pelo funcionalismo público e, principalmente, pelos espaços de interação da intelectualidade baiana do período, nos permite promover compreensão dos meandros das relações étnico-raciais e sociais no Brasil – entre os quais os privilégios concedidos ao grupo branco e a privação de benefícios imposta aos não-brancos – e propor caminhos de enfrentamento do racismo.
Para que o jovem negro possa reconhecer, enfrentar e combater o racismo, especialmente um racismo velado, ambíguo, e de controle social como o da sociedade brasileira, é preciso que esteja fortalecido por um pertencimento étnico-racial positivo. Nilma Lino Gomes (2005) nos adverte do desafio desta tarefa da educação das relações étnico-raciais de construir uma identidade negra positiva em “uma sociedade em que desde cedo ensina-se aos negros que para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo”. De outro lado, para que os jovens brancos possam se engajar na luta antirracismo é preciso que assumam uma postura crítica dos seus privilégios e da falaciosa noção de supremacia branca.
Além da trajetória de Manuel Querino em si inspirar pertença étnico-racial positiva, sua obra nos ajuda a tomar consciência das contribuições econômicas, tecnológicas e culturais que africanos e afrodescendentes prestaram na história do Brasil – uma dimensão política importante para a construção da identidade étnico-racial positiva entre estudantes negros, segundo Kabemgele Munanga (1994) e Gomes (2005), e do reconhecimento e valorização da cultura africana por estudantes negros e brancos.
Na obra O colono preto como fator da civilização brasileira, Manuel Querino desenvolve a tese de que o conhecimento e o trabalho do africano escravizado foi um fator imprescindível na colonização e na civilização do Brasil. O próprio título da obra de Querino já anuncia uma importante estratégia enunciativa na promoção de pertencimento étnico-racial positivo e enfrentamento do racismo: o africano passa de escravizado a colono.

Em Os Homens de cor preta na História, apresentou uma lista de personalidades negras notáveis, verdadeiro panteão de homens de cor capaz de inspirar as gerações futuras (BACELAR, 2009), reagindo contra a invisibilidade do negro na história. Ao fazê-lo, antecipou uma das estratégias adotadas pela militância do movimento negro, a se estruturar apenas na década de 1930.
Foi também um importante combatente do racismo científico, desenvolvido e defendido de modo hegemônico entre os médicos da Faculdade de Medicina da Bahia entre 1870 e 1930, em especial, por Nina Rodrigues, um dos principais teóricos da teoria da degeneração racial (ver texto Ciência, Raça e Educação em Orientações Pedagógicas).
Por essas razões, consideramos que a vida e obra do intelectual negro Manuel Querino podem se constituir em temática para planejamento de projetos interdisciplinares que atendam a expectativas da educação das relações étnico-raciais, articulando-as a conteúdos curriculares das áreas Ciências Naturais, Ciências Humanas e Linguagens.