Materiais Curriculares Educativos

FUNDAMENTOS

Do ponto de vista conceitual, a discussão de alguns termos é extremamente relevante para o entendimento e aplicação da sequência didática desenvolvida. Discutiremos a seguir dois que julgamos mais centrais: alterização científica e interseccionalidade. Consideramos importante também apresentarmos as contribuições da crítica feminista à ciência, para um ensino de ciências promotor de equidade de gênero, nos inspiraram e orientaram no desenvolvimento dessa proposta.

 

Alterização Científica

O termo alteridade perpassa diversas áreas do conhecimento com significados congruentes, referindo-se aos processos de construção de identidades que ocorrem a partir da subjetividade do contato com o outro. 

No entanto, não é só o contato com o outro que nos define. Existe uma série de fatores inter-relacionados na construção de identidade e alteridade, entre eles a nossa imersão social e cultural, que modula certos comportamentos e personalidades. Na esfera social, existem algumas instituições que ditam discursos potentes em nossa constituição, a exemplo da ciência. O poder social do discurso científico, atrelado a um mau uso do mesma por alguns cientistas delineou uma história que nem sempre é narrada, por expor aspectos negativos da ciência. 

Uma reflexão sobre a interdependência entre ciência e sociedade pode ser reveladora de como os discursos e práticas da ciência participam de retroalimentação e (re)produção de significados compartilhados socialmente que exercem grande influência nos processos de construção de alteridades. Para entender essa relação entre práticas e discursos da ciência e construção de identidades e alteridades, é preciso uma visão mais crítica da ciência como produção humana e instituição social. 

A ciência pode ser entendida como uma instituição social estabelecida através do discurso de poder que lhe foi conferido e determinado pelos critérios de validade que regulam sua produção. Essa ideia amplamente compartilhada na sociedade instaura um status de superioridade ao conhecimento científico, como se esta instituição fosse aquela reveladora da verdade, podendo atribuir características aos seres humanos de forma incontestável, rechaçando os aspectos humanos de sua construção (FOUCAULT, 1999). 

A noção de ciência associada a critérios de neutralidade e verdade absoluta reforça o lugar dominante do discurso científico na sociedade, tornando-se um instrumento de afirmação e legitimação da ideologia hegemônica. A autoridade da ciência dificilmente é questionada devido a sua associação com o “natural”, corroborando o seu potencial político diante de sua relação com aspectos socioculturais (FOUREZ, 1995; LIMA, 2008). 

Romper com a ideia de ciência como uma instituição social autorizada a falar em nome da verdade relacionada aos aspectos do “natural” é imprescindível para o esclarecimento dos processos de construção da ciência e o seu grau de interdependência de outros aspectos sociais. Neste sentido, estudos contemporâneos (SANTOS, 2009; LIMA, 2008) significam a ciência como uma cultura e, como tal, passível de mudanças controladas por uma comunidade constituinte, a qual, ao longo dos anos lhe confere novas características ou consolidam velhas, ao se basear em um entendimento compartilhado de operar ciência. Nesta perspectiva, a cultura científica constitui um patrimônio informacional de natureza essencialmente humana sendo norteada principalmente pelo desejo de conhecer e explicar o mundo e a vida, exibindo em sua comunidade padrões de comportamentos, crenças, valores, ações, normas e expectativas compartilhadas. 

A apreensão da ideia de ciência como cultura nos lança sobre uma reflexão acerca dos conceitos e “verdades” amplamente disseminados durante séculos. Se desvencilhar do suposto caráter inquestionável do conhecimento científico e assumir o caráter político do mesmo, quando (re)produz  interesses hegemônicos, nos possibilita examinar criticamente alguns legados da ciência, como por exemplo, a determinação de estereótipos de identidade e comportamentos humanos. 

O conhecimento científico, em grande medida os conhecimentos da biologia e biomédicas, balizou estruturas sociais por meio de caracterização de grupos humanos em escalas hierárquicas de superioridade/inferioridade tanto física quanto intelectual e moral. Teorias consagradas, como a evolução biológica das espécies proposta por Charles Darwin (1808-1882), serviram de embasamento para pesquisas e práticas que marginalizaram grupos sociais considerados inferiores. Entretanto, se levarmos em conta aspectos da própria cultura científica, podemos revelar inconsistências nesses estudos, como constatado no trabalho de Stephen Gould (1990). Gould, na obra A falsa medida do Homem, analisou e apontou incoerências em trabalhos que apresentavam dados empíricos para estabelecimento de hierarquias de grupos humanos, com base em raça e sexo. Por exemplo, o autor discute a prática de cientistas do século XIX, de embasarem argumentos para teses sobre diferenças entre grupos étnico-raciais, baseando-se em estudos de crianiometria, e, portanto, em medidas de estruturas anatômicas. 

A presença de ideias científicas produtoras de hierarquizações e marginalização próprias no contexto do século XIX em estudos contemporâneos e em práticas sociais atuais demonstra o quão potente pode ser o discurso científico na perpetuação de preconceitos. Os discursos e práticas científicos podem ser produzidos e empregados culturalmente para delimitar formas possíveis de alteridade, estabelecendo um padrão de normalidade conducente com a hierarquização de grupos humanos em escalas de superioridade e inferioridade dentro de um determinado marco sóciohistórico. Esse processo pode ser chamado de alterização científica (ARTEAGA et al., 2015; PAIVA et al, 2016).

Em relação às questões de gênero, a alterização científica pode ser notada marcadamente na manutenção de uma forte corrente determinista biológica, que utiliza características biológicas – como supostas diferenças no tamanho de crânio, proporção de hormônios sexuais, e em comportamento parental e sexual – para racionalizar e justificar a opressão às mulheres (Para uma abordagem mais detalhada e panorâmica dessa produção de diferenças entre os sexos pelas biomédicas, ver o texto de Maria Teresa Citeli, Fazendo diferenças: teorias sobre gênero, corpo e comportamento). Evidentemente, essa corrente é criticada pelas feministas, uma vez que esta visão marginaliza as mulheres enquanto cidadãs participativas da sociedade (FEHR, 2011).

 

Interseccionalidade

O termo interseccionalidade tem sido bastante recorrente nas discussões feministas contemporâneas e no ciberativismo. Entretanto, observamos um processo comum a diversos termos quando se tornam amplamente utilizados: o esvaziamento do processo histórico que levou a sua criação e seu uso e significado político e intelectual de origem. Entender esse processo e significa-lo é extremamente necessário para que, no âmbito acadêmico e educacional, possamos emprega-lo de forma coerente e, no âmbito social, consigamos entender as nossas encruzilhadas identitárias e as dos outros, para assim nos despirmos do nosso egocentrismo quando elegemos nossas bandeiras de luta. 

A interseccionalidade é um conceito que emerge do feminismo negro, não sendo, portanto, um conceito autônomo que surge despropositadamente. Ele advém de uma resposta ao apagamento das mulheres negras tanto no movimento atirracismo quanto no feminismo branco, no que diz respeito à identificação e à remediação das experiências de discriminação de raça e sexo que experimentam. Esse apagamento resulta da prática de examinarmos as opressões por um único eixo, ora privilegiando a classe, ora a raça, ora o sexo, sem examinar como a intersecção desses demarcadores de identidade podem operar em experiências variadas de opressão, silenciamento e violência em uma sociedade, racista, patriarcal, e classista. 

O não reconhecimento do poder analítico desse conceito e de sua construção histórica e teórica no seio do feminismo negro contribui com os mecanismos de silenciamento das minorias e perpetuação das discriminações que tanto queremos combater.

A emergência do termo interseccionalidade se dá no contexto do direito, e foi proposto pela feminista norte-americana Kimberlé Crenshaw, em artigo publicado em 1989, traduzido em português com o título “Desmarginalizando a intersecção de raça e sexo: uma crítica feminista negra”. Sendo o mesmo reaplicado em 1991, no texto: “Mapeando as margens: interseccionalidade, políticas de identidade e violência contra mulheres de cor.” A autora propõe o uso da interseccionalidade como uma ferramenta conceitual para o reconhecimento e análise da interseção ou cruzamento de mecanismos de opressão, marcados pelo racismo, patriarcalismo, opressão de classe, entre outros sistemas discriminatórios. Por meio desse conceito, é possível reconhecermos que as mulheres negras são simultaneamente localizadas em categorias sociais – relativas a gênero, raça e classe – que na matriz de dominação de nossa sociedade são subalternizadas. O cruzamento desses eixos de opressão, portanto, as colocam em uma experiência de enfrentamento de múltiplas, simultâneas e imbricadas discriminações.

Pensar a discriminação de forma interseccional é um exercício difícil, uma vez que tendemos a ressaltar um aspecto mais visível das ações discriminatórias rejeitando outros aspectos de igual importância para que a pessoa seja posta em tal situação (de inferioridade).  Por exemplo, é fácil pensar na violência doméstica como uma expressão de discriminação sexista, deixando de lado outros sistemas de subordinação (raça, classe, idade, sexualidade entre outros) que são silenciados nestes casos (CRENSHAW, 2002). 

A dificuldade de olhar as discriminações de forma interseccional se dá nas pesquisas e socialmente, como no caso de decisões judiciais sobre segregação e privações de direitos por discriminações que operam conjuntamente. Tendemos a individualizar as discriminações, por não estarmos habituados a tratar dos sistemas de opressão, e os diversos eixos por meio dos quais operam. Além do mais, nos habituamos a observarmos uma situação e localizarmos a discriminação ali, deixando de lado o percurso percorrido e o caminho a percorrer. Não tem como construir uma sociedade mais equânime, uma educação mais sensível, se deixarmos de lado toda a história desse sistema opressor. Não se resume a um episódio, é toda a história. 

Partindo de um lugar de fala bem demarcado, Carla Akotirene (2018) nos apresenta um sentimento e compreensão de experiência de opressão e seu enfrentamento, que nem todos compartilham, com o objetivo de apontar a importância do entendimento da interseccionalidade como um conceito social, e não apenas como uma categoria analítica dentro do âmbito acadêmico. Sobre a importância da interseccionalidade do ponto de vista analítico, Carla Akotirene diz:

A interseccionalidade nos permite partir da avenida estruturada pelo racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado, em seus múltiplos trânsitos, para revelar quais são as pessoas realmente acidentadas pela matriz de opressões. A interseccionalidade dispensa individualmente quaisquer reivindicações identitárias ausentes da coletividade constituída, por melhores que sejam as intenções de quem deseja se filiar à marca fenotípica da negritude, neste caso, as estruturas não atravessam tais identidades fora da categoria Outros (AKOTIRENE, 2018, p.46).

Dimensionamos, a partir da interseccionalidade, a importância das construções sociais e do constante diálogo com as individualidades coletivizadas, bem demarcadas nos movimentos sociais, para uma produção intelectual relevante. Analisar processos discriminatórios sem atravessar as avenidas que os constituem, é andar por águas rasas que não nos faz emergir na complexidade envolvida na constituição de alteridades. Mergulhando nesse emaranhado da interseccionalidade não podemos abandonar o traço social marcante e fazer as devidas relações. 

Luzinete Minella (2013) aponta que apesar dos avanços nos estudos sobre as questões de gênero no Brasil, existe uma lacuna no que se refere à intersecção entre gênero e raça/etnia, o que gera a invisibilidade do racismo na ciência. Em relação à presença de pessoas negras no ambiente acadêmico, observamos alguns avanços no Brasil, entretanto, em se tratando da mulher negra a situação está longe da equidade de condições. No que se refere à presença de mulheres negras na ciência, dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) confirmam que as bolsas de produtividade são concedidas majoritariamente a homens, inclusive homens negros, sendo que as mulheres aparecem em menor número e se tratando de mulheres negras a situação é ainda mais alarmante (TAVARES; BRAGA; LIMA, 2017).  Diante deste contexto, adotar uma perspectiva interseccional no tratamento das questões de gênero e raça/etnia no contexto educacional é também uma demanda social associada à promoção de equidade. 

A violência e desumanização da experiência vivida por Sarah Baartman, tanto em suas apresentações públicas em Freak Shows em Londres, como nas sessões de estudo de seu corpo por naturalistas do Museu de História Natural de Paris no século XIX, só podem ser devidamente dimensionadas se as interpretarmos por meio da interseccionalidade de raça e gênero, e possivelmente, de nacionalidade. A construção de uma imagem primitiva, selvagem de Sarah e a erotização de seu corpo fizeram parte das estratégias do imperialismo europeu, e do capitalismo emergente, de situar os Africanos como povos atrasados, e de construir justificativas, inclusive científicas, para a colonização e escravização desses povos. Fizeram parte também do projeto de construção das diferenças entre os sexos e objetificação da mulher, mas nesse caso, temos uma busca de distingui-la da mulher branca, por meio não só da objetificação como também da animalização do seu corpo, ao descrever sua anatomia como peculiar e evidência de um elo entre a espécie humana e os símios. 

Para uma análise mais detalhada da intersecção entre raça, gênero e nacionalidade na história de Sarah Baartman, ver: 

FERREIRA, J; HAMLIN, C. Mulheres, negros e outros monstros: um ensaio sobre corpos não civilizados. Revista Estudos Feministas [online]. v. 18, n. 3, 2010. https://www.scielo.br/j/ref/a/pNrk63zWDDbTCVtrrg5TryH/?lang=pt#

 FAUSTO-STERLING, A. “Gender, Race, and Nation: The Comparative Anatomy of ‘Hottentot’ Women in Europe, 1815-1817”. In: TERRY, Jennifer, e URLA, Jacqueline. Deviant Bodies. Bloomington: Indiana University Press, 1995 https://www.researchgate.net/publication/234102374_Gender_Race_and_Nation_The_Comparative_Anatomy_of_Hottentot_Women_in_Europe_1815-1817

 

Crítica Feminista à Ciência para o ensino de ciências

A popularização do feminismo como um campo teórico trouxe uma série de questões a respeito de como as feministas, críticas às práticas sexistas na ciência, se posicionam em relação aos padrões desiguais de fazer ciência. Alguns dos problemas e enfrentamentos que se debruçam podem ser assim expressos: Se reivindicarmos e construirmos uma nova forma de pensar e fazer ciência não corremos o risco de nossas produções assumir status que de alternativa e excêntrica? Será que teriam igual valor ideológico em relação a teorias análogas já consagradas? Por outro lado, se nos “adaptássemos” a forma legitimada de fazer ciência não estaríamos abrindo mão de nossos ideais? Será que para fazer ciência, as feministas teriam de construir uma nova epistemologia para a ciência, uma vez que os pressupostos existentes não contemplavam as convicções implícitas no feminismo?  (HARAWAY, 1981) 

As críticas feministas à ciência têm sido realizadas por diferentes perspectivas, gerando diferentes posicionamentos e propostas sobre temas clássicos da filosofia da ciência, como as noções de objetividade, papel do sujeito e de seu lugar social na construção do conhecimento científico. Foram produzidas, portanto, epistemologias feministas, as quais são diversas porque se pautam nas correntes feministas oriundas dos movimentos sociais, embasadas em ideologias do mundo contemporâneo (ver HARDING, 1996). A depender da corrente, teremos um programa de pesquisa específico consoante com as pautas de quem está produzindo e porque o está fazendo dentro do paradigma feminista. 

A crítica feminista à ciência não exclui a objetividade como uma característica das investigações e teorias, mas a trata com o máximo de rigor do seu significado. As feministas nos chamam atenção de que os processos científicos ocorrem antes mesmo da delimitação dos métodos científicos, e não são controlados por noções de métodos convencionais. Dessa perspectiva, argumentam que a objetividade, imprescindível à fidedignidade da ciência em relação aos fatos observados, em grande parte tem sido fraca por não analisar a interface entre natureza e cultura em suas produções, ou seja, não evitam o naturalismo nem o relativismo absoluto (HARAWAY, 1995; HARDING, 1996).

Uma análise aprofundada sobre os critérios de objetividade, tal como ditados pela filosofia da ciência mais hegemônica, nos apontam que defendê-la é, na verdade, um mecanismo de manutenção de poder. Ao delimitar os objetivos e aplicação das investigações por meio de um frágil sistema de justificações que não abarcam valores e interesses críticos, limita-se a produção de conhecimento aos interesses amplamente aceitos na produção científica.  Dessa forma, a formulação de novos objetos de estudo e a construção de novos métodos são limitados e não agregam rigor maior as pesquisas (KELLER, 1995; HARDING, 2007). 

A essa análise de caráter filosófico, o campo das investigações em ciência e gênero pelas feministas tem apontado o quanto valores como sexismo e androcentrismo têm permeado à produção científica. No livro “O feminismo mudou a ciência”, Londa Schiebinger (2001) nos apresenta uma série de casos em que a entrada de mulheres e feministas nas ciências promoveu uma revisão de viés androcêntrico em teorias, experimentos, interpretação de resultados, gerando mudanças em campos do conhecimento. Um caso bem emblemático trata-se das revisões na primatologia. Durante duas décadas, de 1950 a 1970, a primatologia priorizou os estudos de Babuínos – grupo de primatas sabidamente agressivos – e o fez, observando quase exclusivamente as atividades dos machos. Com base nesses dados, esses estudos naturalizaram a agressividade dos machos primatas, nossos ancestrais, e a suposta passividade das fêmeas. Com a entrada de mulheres no campo da primatologia, as fêmeas passaram ser seriamente estudadas, gerando novos objetos de estudo e dados– redes matrilineares, posturas sexuais assertivas em fêmeas, competição por sucesso reprodutivo que colocavam em cheque esse modelo anterior. 

Associado às críticas supracitadas, Fedigan (1986) identifica seis caraterísticas presentes na ciência feminista que traz uma perspectiva inicial distinta: (1) reflexibilidade (contexto e viés cultural), (2) ponto de vista feminino, (3) respeito pela natureza (4) ética de cooperação com a natureza, (5) abandono do reducionismo, e (6) formação de uma comunidade científica diversa, acessível e igualitária. 

Estas características são expressas nas distintas abordagens existentes que contemplam, entre outros aspectos, o rompimento com os padrões hegemônicos, criticados pelas feministas. Algumas destas abordagens se completam e outras seguem caminhos opostos na busca de seus objetivos metodológicos e ideológicos. 

Em seguida um resumo das contribuições dessas correntes para o ensino de ciências:

1. Contribuições das epistemologias feministas para o ensino de ciências

    1. Abordagem empirista feminista: focaliza na crítica aos métodos utilizados nos trabalhos de cunho determinista biológico dentro das práticas empiristas tradicionais e revelam inconsistência dos trabalhos. Nesta perspectiva o ensino de ciências voltado à equidade de gênero deve:
          • Promover a discussão dos métodos científicos, a partir de uma abordagem histórica das teorias científicas que fizeram uso inadequado dos métodos científicos e corroboraram visões homogeneizadoras da sociedade.
    2. Abordagem psicodinâmica: focaliza a exploração do caráter psicológico presente na construção da ciência, explorando as diferentes formas de pensar entre homens e mulheres e as consequências de uma produção massivamente masculina. Nesta perspectiva o ensino de ciências voltado à equidade de gênero deve:
          • Promover a discussão de teorias científicas que se pautam em metodologias feministas ou femininas, trazendo características distintas ao fazer científico já consolidado, a exemplo da subjetividade.
          • Estimular uma visão crítica a respeito dos ambientes de construção do conhecimento (acadêmico/escolar) evidenciando o contexto social hostil em relação a presença das mulheres na ciência.
    3. Abordagem feminista do ponto de vista: focaliza o ponto de vista feminino visto como essencial na produção científica. Nesta perspectiva o ensino de ciências voltado a equidade de gênero deve:
          • Abordar conhecimentos historicamente relegados dos currículos evidenciando as relações de poder implícitas e reverberadas na construção dos currículos que marginalizam alguns grupos identitários (mulheres, negrxs, índixs entre outros).
          • Articular mais de um demarcador de identidade e diferença, pois tratar os demarcadores de forma isolada não retrata a vinculação desses no campo sociocultural e pode abrir margem a manutenção de preconceitos, através da hierarquização das diferenças.
          • Explicitar o papel da ciência na normatização de padrões de identidade de gênero, pelo estudo histórico dos discursos e práticas das tecnociências que resultaram em processos de marginalização e exclusão social.
          • Evidenciar a presença feminina nas teorias científicas e a história dessas mulheres, promovendo uma discussão a respeito da relação entre os contextos socioculturais e a produção científica.
          • Ressignificar dos padrões de “boa e má ciência”, atentando para os interesses e metodologias envolvidas.
    4. Abordagem empirista feminista contextual: focaliza a formação de comunidades científicas descentrando o papel do indivíduo e buscando a heterogeneidade das mesmas. Nesta perspectiva o ensino de ciências voltado a equidade de gênero deve:
          • Abordar a produção de pesquisa como produto de uma comunidade científica (grupo de pessoas) rompendo com a ideia hegemônica do cientista e enfatizando a importância da presença de vários pontos de vista quando se constrói uma teoria científica.
          • Discutir as questões socioculturais que podem prejudicar a carreira científica e o desempenho das mulheres (em outras carreiras e na escola) e o que pode ser feito para melhorar essa questão.
    5. Abordagem feminista pós-moderna: concebe o ato de fazer ciência como um ato de “narrar histórias” agrega novas características as epistemologias feministas que não são necessariamente compartilhadas pelas demais perspectivas. Não utilizaremos essa abordagem na elaboração dos pressupostos por considera-la incoerente com nossos objetivos de ensino.

REFERÊNCIAS

ARTEAGA, Juanma Sánchez et al. Alterização, biologia humana e biomedicina. Scientiae Studia, v. 13, n. 3, p. 615-641, 2015. https://www.scielo.br/j/ss/a/G3TX3kkMnkB97GWWBRTKS5q/abstract/?lang=pt 

AKOTIRENE,Carla. O que é interseccionalidade? São Paulo: Ed. Letramento, 2018. 

CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Estudos feministas, v. 10, n. 1, p. 171-188, 2002. https://www.scielo.br/j/ref/a/mbTpP4SFXPnJZ397j8fSBQQ/abstract/?lang=pt 

FEDIGAN, Linda Marie. The changing role of women in models of human evolution. Annual Review of Anthropology, v. 15, n. 1, p. 25-66, 1986 

FEHR, Carla. Feminist Philosophy of Biology. In: ZALTA, E. N. (Ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2011. Disponível em: http://plato.stanford.edu/archives/fall2011/entries/feminist-philosophy-biology/ 

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural do Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 5ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999, 79p. 

FOUREZ, Gerard. A construção das ciências: introdução à filosofia e à ética das ciências. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1995. 319p. 

GOULD, S.J. A falsa medida do homem. Rio de janeiro, Martins Fontes, 1990. 

LIMA, João Epifânio Regis. Vozes do silêncio: cultura científica: ideologia e alienação no discurso sobre vivissecção. 1ª ed. São Paulo: Instituto Nina Rosa, 2008, 191p. 

HARAWAY, Donna. Saberes localizados. Cadernos Pagu, v. 5, p. 7-41, 1995. https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1773 

HARDING, Sandra. Ciencia y feminismo (1993). 5ª Ed. Ediciones Morata S. L.  Madrid, 1996, 239p. 

HARDING, Sandra. Gênero, democracia e filosofia da ciência. Revista Eletrônica de Comunicação Informação & Inovação em Saúde, v.1, n.1, p.163-168, jan.-jun. 2007 https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/891 

KELLER. E. F. Gender and Science: Origen, History and Politics. Osiris, v. 10 (1995) 

MINELLA, Luzinete Simões. Temáticas prioritárias no campo de gênero e ciências no Brasil: raça/etnia, uma lacuna? Cadernos Pagu, n. 40, p. 95-140, 2013. https://www.scielo.br/j/cpa/a/JXJgYbcktzL3CwChZKZQ9qp/abstract/?lang=pt 

PAIVA, A.; SOUSA, H.C; SEPULVEDA.C.; ARTEAGA, J.S. Baartman, Lacks e o corpo da mulher negra como paradigma de alteridade na história da biologia. In: Anais 15º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, 2016, Florianópolis. Anais do 15º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia, 2016. https://www.15snhct.sbhc.org.br/trabalho/view?ID_TRABALHO=1576 

TAVARES, Isabel; BRAGA, Maria Lúcia de Santana; LIMA, Betina Stefanello. Análise sobre a participação de negras e negros no sistema científico. In: Relatório do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CnpQ). Disponível em: http://www.cnpq.br/documents/10157/3a9238af-57b3-47a9-ba79-514a633f7223  Acessado em: 02.mar.2017

 

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