Materiais Curriculares Educativos

EXPLORANDO O TEMA

Biografia de Querino: professor, artista, sindicalista, jornalista e escrito

Fruto da união entre dois descendentes de africanos, o carpinteiro José Joaquim dos Santos Querino e Luzia da Rocha Pita, Manuel Querino nasceu em plena vigência da escravidão, em 1851, apenas um ano após a interdição do trafico de escravos para o Brasil. Tornou-se órfão por volta dos quatro anos de idade, quando seus pais faleceram em consequência da epidemia de cólera que assolou a região do recôncavo baiano. Foi, então, entregue a uma família de classe média branca, tendo por tutor o Bacharel Manuel Correia Garcia, professor da Escola Normal da Bahia, que o iniciou nas primeiras letras e o encaminhou para o ofício de pintor. 

Entre os anos 1871 e 1882, aprendeu línguas no Colégio 25 de Março, cursou Humanidades no Liceu de Artes e Ofícios, depois Desenho e Arquitetura, na Academia de Belas Artes. Após completar a sua formação, Manuel Querino trabalhou como professor de desenho geométrico no Colégio dos Órfãos de São Joaquim e no Liceu de Artes e Ofícios. 

Ingressou na política como integrante do Partido Liberal, como abolicionista e militante do movimento Republicano. Tornou-se ativista da causa operária, envolvendo-se primeiramente na gestão do serviço de artesãos e trabalhadores — pela cooperativa intitulada Liga Operária, fundada em 1875 — e posteriormente como liderança política sindical. Funda o Partido Operário em 1890, pelo qual se candidata a Deputado Federal e participa do Congresso Operário Brasileiro, no Rio de Janeiro. Ocupou uma cadeira no Conselho Municipal por duas legislaturas 1891 a 1893 e 1897 a 1899.

Manuel Querino encontrou diversas barreiras na política e no serviço público, as quais não o impediram, no entanto, que se tornasse uma personalidade da sociedade baiana. Segundo Sepulveda (2014), Querino encontrou refúgio para a sua militância no meio intelectual. 

Ao integrar na Sociedade Libertadora Baiana, organização notória do movimento abolicionista, Querino encontrou um espaço de convívio com personalidades da elite intelectual, e teve acesso aos jornais, como escritor, por meio do contato com jornalistas e proprietários de periódicos, membros da referida sociedade. Mas foi com sua atuação no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), instituição da qual era membro fundador desde 1894, que Manuel Querino conquistou o reconhecimento como intelectual (SEPULVEDA, 2014).

 No IGHB, Manuel Querino inicia a sua produção intelectual, tratando de temas relacionados à sua formação profissional como artista, tendo como tema centra a História da Arte baiana. No entanto, de maneira árdua e sistemática, Querino buscou estratégias para que sua voz se fizesse ouvir nas discussões sobre temas históricos, sociológicos e políticos (para um exame mais detalhado, consultar SEPULVEDA, 2014). Por exemplo, em março de 1913, o autor iniciou uma série de colunas no Jornal de Notícias sobre a memória de acontecimentos e costumes da Bahia do Segundo Império, publicadas sob o título A Bahia de Outrora, reunidas em um livro homônimo em 1916. 

Ao explorar temas de história, etnografia e folclore, Manuel Querino se inscreve no âmbito da temática chave que anima as discussões do meio intelectual brasileiro do período, o nacionalismo (PÉCAUT, 1990), o que faz com que, nas décadas que se seguiram ao seu falecimento, entre 1930 e 1940, ele fosse consagrando como estudioso de tradições. 

Manuel Querino: um combatente intelectual do racismo científico

Nessa trajetória, Manuel Querino desenvolveu diversas estratégias de enfrentamento do racismo, não só em sua vida cotidiana e em prol da sua inserção com intelectual, mas de toda a população negra, africana e afrodescendente.   

Em O colono preto como fator da civilização brasileira, Querino defende a tese de que o conhecimento e o trabalho do africano escravizado foi um fator imprescindível na colonização e na civilização do Brasil. Para tanto, apresentou os seguintes argumentos: os portugueses teriam sido incapazes de levar adiante a colonização do Brasil, sem o braço do colono preto, conhecedor das “diversas aplicações materiais do trabalho”; o comportamento parasitário do colono branco – “tangido de esperanças e preocupações de fortuna rápida e fácil” – favoreceu aos homens de cor a se especializarem e ocuparem diferentes ofícios.

Por esse caminho, Querino tornou-se um importante combatente do racismo científico, tornado hegemônico pela escola do médico maranhense Raimundo Nina Rodriges, eminente professor da Faculdade de medicina da Bahia do final do século XIX, considerado o principal teorizador da inferioridade biológica e intelectual do negro no Brasil (SANCHÉZ-ARTEAGA, 2009). Manuel Querino oponha-se à naturalização das diferenças entre negros e brancos e as afirmações sobre a inferioridade antropológica do negro, pautadas no determinismo biológico e racial do darwinismo social, adotado por médicos dessa escola. Segundo a historiadora Wlamyra Albuquerque (2009, p. 224), Querino descredenciava a própria noção de raça propagada pela ciência da raça defendida na Faculdade de Medicina nesse período, ao deslocar a constituição da diferença entre negros e brancos do campo da natureza para o da história. Na introdução da obra A raça africana e seus costumes na Bahia, por exemplo, argumenta que as qualidades negativas atribuídas ao africano com intuito de desqualificá-lo não seriam congênitas, mas resultantes de uma condição circunstancial: o regime de escravidão. 

Completando sua estratégia, Querino apresenta evidências da capacidade intelectual dos negros, inclusive, em construir civilizações, citando, por exemplo, a interpretação do líder afro-americano Booker Washinton de que por meio da organização política do Quilombo Palmares, os africanos teriam sido pioneiros em instituir o primeiro regime republicano no Brasil. Como resultado desta argumentação, Querino conclui com a defesa da tese de que não havia nenhum impedimento biológico para que os africanos evoluíssem, desde que tivessem acesso à instrução: “ Do exposto devemos concluir que, somente a falta de instrução destruiu o valor do africano”.

Desse modo, esse intelectual negro empreende um combate pioneiro ao racismo científico propagado na Faculdade de Medicina da Bahia entre 1870 e 1930, que o coloca em um ponto equidistante ao posicionamento defendido pela escola de Nina Rodrigues, “na arena intelectual do período em torno das teorias raciais e dos projetos para a sociedade pós-abolição” (Albuquerque, 2009, p. 224).

Tenda dos Milagres: o combate entre Querino e Nina Rodrigues por meio da literatura

A despeito da metáfora de encontro e possível embate entre Manuel Querino e Nina Rodrigues ser utilizada por historiadoras como Wlamyra Albuquerque (2009) e Sabrina Gledhill (1986), não há registro ou relato documentado de um possível encontro entre estes dois personagens, o qual seria factível dado o conhecimento de que frequentavam alguns lugares em comum (ALBUQUERQUE, 2009). Este encontro, no entanto, ganha vida nos personagens Pedro Archanjo e Nilo Argolo em Tenda dos Milagres, obra ficcional de Jorge Amado publicada em 1986.

Archanjo era bedel – uma espécie de empregado de estabelecimento de ensino – da Faculdade de Medicina da Bahia, em cujos corredores circulavam as teorias raciais. Tais ideias eram propagadas nas obras de Nilo Argolo, catedrático de Medicina Legal. Além da escola de Medicina, a história de Pedro Archanjo era tecida na Tenda dos Milagres, a oficina de seu amigo Lídio Corró, onde, conhecido como o respeitado Ojuobá – alto cargo em uma Casa de Santo -, Archanjo assumia o papel de estudioso, líder e difusor da cultura negra.  Foi nesta oficina, com ajuda de Lídio, que publicou artesanalmente quatro livros, nos quais revelava a influência africana na cultura local, bem como aspectos da mestiçagem étnico racial nas famílias tradicionais da Bahia, e defendia a tese de que a mestiçagem seria o traço maior da identidade brasileira.

Para o historiador Carlos Antônio dos Reis (2009), ao longo de toda narrativa, a figura de Pedro Archanjo se sobressai à de Nilo Argolo, de modo que o “reles bedel” é elevado a herói e o “eminente cientista” é ridicularizado. Reis concorda com a interpretação da antropóloga Goldstein de que, por meio desta estratégia, Jorge Amado, torna Manuel Querino e Nina Rodrigues em herói e vilão, respectivamente, “condicionando características do que é ‘bom’ ou do que é ‘mal’ a partir da posição que cada criatura sua toma diante da ‘mestiçagem’” (REIS, 2009, p.131).

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