Materiais Curriculares Educativos
APRESENTAÇÃO
Este material curricular educativo (MCE) possibilita abordar conteúdos de evolução e de genética a partir do exame crítico de discursos e práticas da ciência, históricos e atuais, que conduziram ao processo de racialização da doença falciforme, e da relação desse processo com a história do racismo científico. Para abordagem da temática do MCE, é adotada uma perspectiva curricular em que as relações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente (CTSA) são articuladas e explicitadas, especialmente com enfoque histórico, sociocultural e de preparo dos (as) estudantes para o envolvimento em ações sociopolíticas que visam combater injustiças sociais. No ensino de evolução, o MCE possibilita abordar a seleção natural, as teorias raciais dos séculos XVIII e XIX, os impactos sociais do pensamento darwinista e a polissemia do conceito de raça. No ensino de genética, é possível abordar os conceitos de dominância, codominância e recessividade, além de problematizar o aconselhamento genético e também a polissemia do conceito de raça. Este MCE foi elaborado, testado e avaliado para o contexto do ensino de evolução, destinado ao ensino superior, para cursos de formação de professores/as de Biologia. Contudo, é possível adaptar os materiais que disponibilizamos para o ensino médio, e também para o ensino de conteúdos de genética.
Por que discutir a racialização da Doença Falciforme na Formação de Professores/as?
Desde a descrição das hemácias falciformes (em formato de foice), em 1910, a doença falciforme tem sido caracterizada como uma doença racial de pessoas negras. Esse tipo de associação racial tem como base a ideia de que essas pessoas, definidas em termos raciais e biológicos, seriam intrinsicamente doentes, ou seja, algum aspecto do seu organismo as tornariam naturalmente adoecidas. No passado, a presença das hemácias falciformes se tornou um marcador racial nos Estados Unidos. A associação racial com a Doença Falciforme, resultou em medidas discriminatórias voltadas para pessoas negras nos Estados Unidos e no Brasil.
Contudo, a maior prevalência da doença falciforme em pessoas negras não tem qualquer relação com aspectos intrínsecos a essas pessoas. Ela está relacionada a explicações evolutivas sobre a manutenção do alelo S (associado aos diversos genótipos da doença falciforme) em locais de ocorrência da malária – parte do Continente Africano, da Índia e do Oriente Médio. Além dessa explicação evolutiva, a alta frequência de doenças falciformes entre a população negra no Brasil, demanda explicações históricas, sociais e políticas sobre a entrada do alelo S no País por meio do sequestro de pessoas da África, e da escravização dessas pessoas e de seus descendentes, que foram marginalizados e excluídos das políticas públicas sociais e de saúde ao longo dos séculos. Por essa razão, a luta pelos direitos das pessoas com doença falciforme tem sido bandeira de luta de mulheres e homens militantes do movimento negro.
Abordar a racialização da doença falciforme na formação de professoras/es de Biologia é importante por diversos motivos. A anemia falciforme, uma das variantes genéticas da doença falciforme, costuma ser abordada em aulas de Biologia como exemplo de seleção natural, contudo, raramente a racialização é problematizada. É preciso se considerar que discursos e práticas científicas do passado – especialmente, na segunda metade do século XIX – contribuíram para legitimar a associação entre a doença e pessoas negras em sentido biológico. Por outro lado, a partir da década de 1950, a própria Biologia, especialmente conhecimentos do campo da evolução e da genética, trouxe contribuições para se desconstruir esse tipo de associação. Assim, a doença falciforme pode ser abordada no contexto do ensino de evolução e de genética, ponderando os riscos e prejuízos, bem como os benefícios e alcances do desenvolvimento científico. Além do mais, atendendo a um dos objetivos da educação das relações étnico-raciais, pode contribuir para desconstruir estereótipos e preconceitos raciais, e somar esforços para uma educação antirracista. Além de viabilizar uma abordagem mais ampla sobre a doença falciforme, considerando os múltiplos aspectos que influenciam na saúde das pessoas acometidas pela doença.
Também, é preciso se ter em conta que a anemia falciforme, apesar de ser a doença monogenética mais frequente no Brasil, ainda é bastante desconhecida na sociedade. A doença falciforme, de modo geral, é considerada uma doença invisibilizada. O desconhecimento e invisibilidade também acontecem na comunidade escolar, que tem um papel fundamental no acolhimento das/os estudantes que apresentam a doença. Deste modo, abordar a racialização da doença falciforme na formação de professores/as de Biologia é relevante tanto para o acolhimento e inclusão de estudantes com doença falciforme na escola, como para se promover uma abordagem adequada sobre a doença enquanto conteúdo das aulas de Biologia. Participaram da elaboração, aplicação e avaliação desse Material Curricular Educativo as/os seguintes colaboradoras/es: Lia Midori Meyer Nascimento, Cláudia de Alencar Serra e Sepúlveda, Lucicarla Lima de Oliveira, Charbel Niño El-Hani, Juan Manuel Sánchez Arteaga.
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